Ser o que não se pode ser
avessa ao existir
qual buraco que engole os passos
qual vácuo, fissura
que não cabe em si.
Coser uma torneira no corpo
só pra desaguar um poder frouxo,
fingir um pouco de prazer com o outro
só pra sustentar um lugar de sentir.
A onipresença do falo
conjugou ao corpo não fálico
um lugar de anti-verbo
e a palavra mulher
fez-se vento
como o próprio pensamento
expatriado
não conseguiu compor-se em corpo.
O poder despojado do corpo
fez nascer fluidez visceral e inquietante
nos seios, vestidos e sentimentos
e a mulher fez-se dançante, errante...
no bravio mar de inconstância
num amar tempestuoso...
E toda falta de essência
conduz-lhe a dançar
qualquer música que se encarregue de tanger
um molde de existência.
Redundante é o vazio do ventre
completude é o germinar do feto
é o aceitar a falta
é o afaga a dor do parto
o partir do epitélio.
Mas há seres oblíquos
que abstêm-se de crias
de faltas,
de nexo...
Longínquos desgostos...
Renunciar a semente
jazer briofitamente
não ser mulher
existir na cadência de um corpo
feminino falocrático
despido de velcro
volver-se no mistério do
terceiro sexo.
Gerar um vazio mais complexo
engolidor
professor
de gozos mortíferos.
(Raquel Amarante)
avessa ao existir
qual buraco que engole os passos
qual vácuo, fissura
que não cabe em si.
Coser uma torneira no corpo
só pra desaguar um poder frouxo,
fingir um pouco de prazer com o outro
só pra sustentar um lugar de sentir.
A onipresença do falo
conjugou ao corpo não fálico
um lugar de anti-verbo
e a palavra mulher
fez-se vento
como o próprio pensamento
expatriado
não conseguiu compor-se em corpo.
O poder despojado do corpo
fez nascer fluidez visceral e inquietante
nos seios, vestidos e sentimentos
e a mulher fez-se dançante, errante...
no bravio mar de inconstância
num amar tempestuoso...
E toda falta de essência
conduz-lhe a dançar
qualquer música que se encarregue de tanger
um molde de existência.
Redundante é o vazio do ventre
completude é o germinar do feto
é o aceitar a falta
é o afaga a dor do parto
o partir do epitélio.
Mas há seres oblíquos
que abstêm-se de crias
de faltas,
de nexo...
Longínquos desgostos...
Renunciar a semente
jazer briofitamente
não ser mulher
existir na cadência de um corpo
feminino falocrático
despido de velcro
volver-se no mistério do
terceiro sexo.
Gerar um vazio mais complexo
engolidor
professor
de gozos mortíferos.
(Raquel Amarante)
Pintura: Mulher nua lendo, Robert Delaunay, 1915.
lindíssimo Raquel...
ResponderExcluirintenso..
beijos querida.
Belo poema, Raquel!
ResponderExcluirAbraço!
domadora de palavras.
ResponderExcluirNossa. Li três vezes.
ResponderExcluirE esta parte?
"Tal qual apega o significado ao significante
o poder depreendido do corpo
fez nascer fluidez visceral e inquietante
nos seios, vestidos e sentimentos
e a mulher fez-se dançante, errante...
no bravio mar de inconstância
num amar tempestuoso...
E toda falta de essência
conduz-lhe a dançar
qualquer música que se encarregue de tanger
um molde de existência."
Nela fiquei um tempo.
Muito bom, Raquel. Legal conhecer este espaço.
Beijinhos.
Oh, Lacan, Lacan, leitura que não conheço, como poderei conceber a mulher forjada da costela do seu pensamento?
ResponderExcluirRaquel, aqui então te evocamos pra que possa nos oferecer uma suma de Lacan, contamos com isso, e mais precisamente com você.
Ah, mulher, mulher... lacaniana...
Será completude ao fardo orgasmo do prepotente reino fálico?
Será plenitude, comunhão de significado e significante, quando recebe a graça emanada por um simples zelo de caridade do nobre e absoluto poder fálico?
Retém-me, entretanto, mais a atenção, com um ar de indiscreta estranheza, as três últimas estrofes... O que é, será, e o que se fazer da mulher cujo redundante vazio do ventre não germinar?
Ah, estorvo vazio... Oh, pária inútil, que nega a natureza do seu útero, gerar os filhos falos, do falocrático lar!
Ah, bem que aquelas três derradeiras estrofes lembravam as convictas solteironas.
Valeu Ingrid, Ígor e querido Dewïzqe... Muito bem vinda Rebeca!!!!
ResponderExcluirAmiga.... Sempre com reflexões complexíssimas que me fazem refletir o outro lado do texto... O que chega ao leitor... E me interessa sempre o que lhe chega, pois sua leitura é de uma profundidade, de uma percepção para além do texto, de uma alma analítica-lacaniana...
ResponderExcluirAh se eu pudesse lhe dizer o que dizem as três estrofes... Quintana na epígrafe do blog diz bem das minhas intenções frustradas.. Minha línguagem é míope...
Como diz nossa querida Lispector.. "Entender é sempre limitado."
Mas é sempre saboroso degustar o suposto saber do outro lado...
Sua apropriação desta minha escrita tosca é um verdadeiro encontro de inconscientes...
"A FLOR É SEM PORQUÊ, FLORESCE POR FLORESCER""
A flor é sem porquê / Floresce por florescer / Não olha para si mesma / Não pergunta se a olham / E sorri para o universo / A rosa é sem porquê...
(Angelus Silesius)
Poetisa... também acolho as suas palavras e sobre elas não posso deixar de concordar com o seu pensamento. Pois o texto, em suas diversas expressões, é incrivelmente rico em sua miríade de interpretações e sentidos, e para as quais cada leitor tem a sua subjetiva rosa-dos-ventos. "A palavra publicada não pertence mais ao seu autor", a esse respeito já dizia o poeta.
ResponderExcluirDeixemos-nos, então, que o entendimento se realize conforme a versa a epígrafe do blog, "a gente pensa uma coisa..." batendo cabeças, cabeças se unirão e construirão babéis inteligíveis... rsrs.
"Ah se eu pudesse lhe dizer o que dizem as três estrofes..."
Ah, poetisa enigmática, como essa revelação clara, vaga, incofessada, concluída em misteriosas reticências, crava em meu pensamento uma saborosa curiosidade.
"A flor é sem porquê
floresce por florescer..."
mel que adoça nosso amanhecer.
Obrigado pela flor...
Intenso, complexo e lindo! Esta mulher tem muito de todas as mulheres que vivem um relacionamento.Vestem-se com máscaras e seguem vida afora a procura de sentimentos verdadeiros.
ResponderExcluirTenha um domingo feliz.Bjs Eloah